segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A vida é feita de pequenos nadas

Venho já, vou só à casa de banho.

Ir à casa de banho não é tão simples como parece, é ir a uma outra casa onde a vida é outra. Mesmo sem banho (um xixizinho a correr, por exemplo), é uma casa onde estamos em casa – a menos que tenhamos mesmo de ir à casa de banho na casa dos outros. Fora de casa, a casa de banho é só um anexo para necessidades básicas. Se estamos em casa, a casa de banho passa a ser mais uma das divisões, uma sala de banho cerimoniosa, à francesa, ou mesmo apenas mais um dos quartos – um quarto de banho, como ainda se diz na província – o quarto onde o banho está a dormir; quando lá vamos, acordamos o banho, vemo-lo nu e despenteado, convivemos com ele como quem tem uma profunda intimidade.
Podemos tomar um duche na casa dos outros (que remédio, se não estivermos em nossa casa), mas, quando é assim, nunca dizemos aos nossos anfitriões “vou à casa de banho”. Dizemos “vou tomar um duche num instantinho”, que é como quem diz “vou dar uma rapidinha com o teu banho, não te importas, pois não, é que estou mesmo a precisar”. O duche em casa dos outros é um pouco como uma infidelidade compreendida por boa educação, uma facadinha no matrimónio com promessa de não tirar pedaço nem deixar marcas. Não faz sentido, na casa de banho que não é a nossa casa, estender-se longamente num banho de espuma: isso já é ter um caso com o banho dos outros, com tudo o que isso possa acarretar. Fora de casa, mesmo quando a relação é com um spa que bem vale tudo o que investimos nele, sentimos a nostalgia do amor, de um banho com quem compartilhar o dia-a-dia.
Na nossa casa de banho sentimo-nos em casa; o banho é nosso, podemos desfrutá-lo quando, onde e durante o tempo que quisermos, sem culpas e sem partilhas. Podemos sentar-nos na banqueta a ler com o corpo enrolado na toalha, ou fumar um cigarro, depois. Podemos ser quem desejamos e ter o que desejamos, preparar lenta e calmamente um requintado "ménage à trois" (“eu, tu e um banho de rosas”) enquanto nos miramos no espelho entre cores, boiões e frascos de perfume; em casa não se diz “venho já, só vou à casa de banho”, ponto.

Sem comentários: