segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Remar contra a maré

Os músculos intelectivos convergem na tentativa de superar a vida, os impulsos isolados cuidadosamente depositados na rede do comportamento automático. Avançar, sempre, mesmo quando uma sirene distante assegura que não é possível, que a corrente é demasiado forte, que o cosmos será inevitavelmente devorado pelo caos que arrasta e dissolve as casas, as praias, as flores da prole humana e inumana geradas por sensíveis movimentos da esperança e da vontade.
A solidão actua como um filtro: os fragmentos da viagem são espalhados pela maré informe e poderosa do oblívio, o translúcido anulado pelos medos do negro primordial, do nada que se sobrepõe ao ser como certeza, da ilusão de si quebrada pelas vagas do tempo que se espraiam e desagregam em corpúsculos a falésia. Um passo para trás, dois passos para a frente, remar contra a maré, luta contínua sem quartel e sem esperança senão a de lutar, os remos asas cépticas de borboleta.
Cansaço na certeza de não poder ganhar, de não poder chegar às praias do outro lado onde se desdobra a vida, toda, onde finalmente se está a salvo do esforço constante de remar. Na força, a certeza de as coisas fulgurantes permanecerem adormecidas até ao momento em que aleatoriamente cintilam, trazendo consigo a calma, o nirvana, em que a maré afrouxa, ou pára, ou não se sente. Somos seres de prosa e de prazer na mais alta potência, máquinas de avançar no nada para dele retirar o que é tudo, a beleza fugaz e ilusória de ser veleiro andante, contra ventos e marés.
Parar de remar é entregar-se ao nada do passado e sofrer o nada do presente, parar significa voltar de imediato ao nada que já era, mas sem as asas do infinito que nos chama.